Opinião: O Lixo dos Outros | João Albano Fernandes

Vencedor do Prémio Nacional de Literatura Lions de Portugal
SINOPSE: Que razões terão levado Florêncio, o protagonista de O Lixo dos Outros, a deixar de falar com a sua filha, Mariana, de 30 anos? Que mundos - ou serão preconceitos? - os separam? Que é feito da alegria que evoca quando vê as fotografias, sorriso de orelha a orelha, de quando ela tinha 5 anos?

Florêncio tem 55 anos e é cantoneiro há 15. Por noite, recolhe mais de cinco toneladas de lixo. Actualmente, cada pessoa produz, em média, 65 metros cúbicos de lixo por ano - o lixo suficiente para encher o volume da própria casa. As pessoas afogar-se-iam no seu próprio lixo se não fossem os cantoneiros.

Florêncio não fala com a filha há quase um ano, não aceita aquilo que ela faz. A profissão mais antiga do mundo, dizem uns. A profissão mais degradante de todas, pensa ele. Mariana não concebe que o pai, figura central da sua existência, a renegue desta forma. Não acredita que haja mais dignidade em recolher o lixo dos outros do que em servir os seus desejos. Há muito que deixou de ver as coisas assim.

Poderá ainda, um dia, Mariana voltar a correr para ele, com leveza de menina, a perguntar: «Papá, estou bonita?»

Haverá mais dignidade em recolher o lixo dos outros do que em servir os desejos dos outros?

Eis uma leitura original e emotiva. Uma ode ao trabalho desconsiderado, desprezado, indesejado dos cantoneiros do nosso Portugal, comumente apelidados de "homens do lixo".

Esta é uma soberba narrativa que explora esse mundo de uma forma tão real, tão intensa, que me fez questionar o motivo de eu nunca ter pensado, verdadeiramente, como é viver essa vida. E provavelmente nunca lhe ter dado o devido valor.

É simples: quando vamos despejar o lixo, quando vemos os caixotes transbordar, especialmente nas festividades, toneladas e toneladas de lixo dentro e fora dos contentores, uma esmagadora exuberância de consumismo e desperdício por todo o lado. O cheiro nauseabundo, tudo sujo, ratazanas, pragas, potenciais doenças, o horror mas.... na manhã seguinte está tudo limpo. Sentimos alívio, não é verdade?

Portanto, quem serão realmente os "senhores do lixo"? Nós, que o fazemos, ou quem o vai recolher/limpar? Na realidade, os "senhores do lixo" somos nós todos. 






Além de nos oferecer um ponto de vista muito honesto e profundamente intimista da vida dos cantoneiros - e na segunda metade do livro, sobre a vida das profissionais do sexo, outra realidade completamente desprezada e até repudiada - encontramos também uma inteligente crítica social à nossa sociedade. 

Somos confrontados com várias realidades presentes na nossa vida: o racismo e a intolerância, a esmagadora pobreza à nossa volta e entre nós, a crise habitacional, num intrínseco drama familiar, com personagens tão típicas portuguesas, que as vamos reconhecer do nosso dia-a-dia, num Portugal pragmaticamente retratado.

Uma história partilhada a dois, pai e filha. Duas realidades totalmente diferentes, viscerais, sinceras, fatuais.
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