Opinião: O Fado da Severa | Maria João Lopo de Carvalho

SINOPSE: Na Mouraria, cruzam-se dois mundos quando a noite cai. O dos marujos, dos rufiões, das mulheres de má vida, as tabernas enchem-se com os filhos enjeitados da cidade. À procura de consolo, de um regaço pago, de vinho e de fadistagem. Vão eles e os nobres, embuçados, em busca do fruto proibido. Longe do São Carlos, onde as damas e as jóias são legítimas, dos palácios nas Laranjeiras, mergulham no mundo sórdido e apaixonante onde se canta e bate o fado. E ninguém o faz melhor do que Severa, filha de cigano e de meretriz. Do pai herda o tom de pele, o sangue quente; da mãe a profissão e as artes de prender os homens. São muitos os que a visitam, mas só um lhe deixa marca, o conde de Vimioso. É dele e da Severa esta história, nascida entre corridas de toiros, casas de má fama, recitais privados.É esse o amor proibido que Maria João Lopo de Carvalho tão bem evoca, num tom que nos remete para uma Lisboa feroz e verdadeira. Uma história onde brilham sempre a luz e as sombras dessa Lisboa e o indomável espírito de Severa: a cigana que inventou o fado, a mulher que vendeu o corpo - mas que nunca vendeu a alma.


Este livro é uma autêntica viagem no tempo, a uma Lisboa que é minha, do meu coração, onde nasci mas a qual nunca conheci... Severa, prostituta, artista, fadista, mulher de força e coragem, personalidade envolvente, fascinante, que um legado precioso nos deixou, apesar do desprezo que na sua época causou...


A autora referiu-me que recebeu algumas queixas de leitoras chocadas com o palavreado usado no livro - típico daquelas gentes daquela época e necessário para a reconstrução histórica exacta - quanto a mim foi o que eu mais gostei, esta crueza, sem filtros, sem papos na língua, tão verídico e tradicional, mesmo que às almas mais púdicas custe a aceitar, tanto os diálogos com o a narrativa são fieis ao contexto histórico do período em que decorre a acção, eu adorei! Está genuíno e carregado de emoção!


No entanto volta e meia acontece algo de que só noto nas minhas leituras em alguns autores nacionais e que para mim tira logo a veracidade e fluência da leitura: que é abusarem do diálogo, tornando-o quase uma wikipédia em aberto, em vez de exporem esses dados na narrativa.
Há certas informações que soam pouco naturais expostos em forma em diálogo, porque para alguém falar assim só se fosse um professor numa sala de aula a narrar factos históricos com datas, carregado nos detalhes, soa estranho num diálogo entre amigos, numa exaltação, especialmente quando os incluídos no diálogo partilham a mesma memória, fica um diálogo pouco natural e muito extenso, isso sim faz-me sempre confusão, ...

Fiquei verdadeiramente de coração partido por saber que esta autora defende a tauromaquia... quanto a isso já dei aqui a minha opinião... que se explore da forma como é explorada para o contexto desta história, pois faz parte e assim aconteceu é perfeitamente natural e sou defensora de que os livros históricos devem retratar com o máximo de veracidade a história, tal como haverá sem dúvida quem acuse esta leitura também de ser racista, visto na narrativa o tratamento para os africanos ser "os pretos" ou "a preta ", por exemplo, para retratar estes tempos, justifica-se, pois era assim, se fosse um livro contemporâneo já não seria aceitável, o mesmo se aplica à tauromaquia, a barbárie e injustiça dos tempos antigos não se justificam nos nossos tempos, para isso serve a evolução da sociedade...


Numa escrita desnuda e crua, ordinária mas poética, autêntica e carregada de intensidade, com uns bons quantos floreados e devaneios típicos portugueses, num abandono total à poesia e à emoção, um retrato fascinante da minha colorida Lisboa por ruas que eu tão bem conheço, senti-me ligada às personagens e às suas vidas, especialmente às dos bairros ...

👉🏻 Wook | Bertrand 👈🏻

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