Opinião: Diário de um Carbonário | Mário Silva Carvalho
Testemunho de um dos momentos mais violentos e importantes da História de Portugal.
SINOPSE: Carbonária: Sociedade sinistra e cruel para uns. Sonho de liberdade para outros. Mas onde estará a verdade, no meio de tanto sangue e segredos?
Em 1907, o jovem Constantino da Silva chega a Lisboa. Fugira de Coimbra devido a uma zaragata em que atacou um miguelista para proteger um grupo de estudantes republicanos. O deslumbre com a capital, tão maior e mais sofisticada do que o resto do país, logo é substituído pela realidade: Lisboa é uma cidade pobre, esfaimada e onde o conflito entre monárquicos e republicanos deixa feridos e mortos nas ruas.
Cedo o caminho de Constantino se cruza com a Carbonária, sociedade sinistra e cruel aos olhos dos conservadores, e um juramento secreto atira-o para uma vida dupla: de dia é um alfaiate que passeia pelo Rossio e namorisca operárias; de noite participa em assaltos e agressões violentas em nome dos ideais democráticos e republicanos. Quando a tesoura e a pistola permitem, o jovem pega na pena e descreve a sua vida, com simplicidade e honestidade, num diário que é um hino emocionante a uma das épocas mais importantes e turbulentas da História de Portugal.
Vou começar por dizer que a escrita do livro em si, é arte! A forma como ressuscitou o português que se falava nestes tempos (início século XX) é pura e simplesmente soberba, verdade seja dita que se falava muito para dizer pouco, uma fala carregada de trocadilhos, provérbios, dizeres, sarcasmo, uma espécie de fala cantada e poética, mas foi precisamente o que mais amei neste livro, e fico triste por esta arte de saber falar se estar a perder...
A meio da leitura, liguei à minha avó, que apesar de ser minhota e de viver em Lisboa à mais de 50 anos, mantém a pronúncia vincada e a forma de falar dos minhotos, dos dizeres antigos, com as suas histórias do antigamente, os provérbios, cantigas e formas de falar, exactamente como neste livro, por exemplo, quando me dá um dinheirito diz "toma lá x mérreis", ou "beber um quartilho de vinho", entre outras formas elaboradas de dizer alguma coisa, de uma forma mais interessante e inteligente, e então li-lhe algumas passagens do livro que falam tal e qual como ela! Ela achou engraçado.
Vejam só esta parte, que me fez rir até chorar no meio do autocarro: resumindo, Constantino, algo maltrapilho, abriga-se da chuva em frente a um café, esperando uma aberta para poder voltar para casa, entretanto, chega um cavalheiro acompanhado de duas senhoritas empertigadas, e começam a sacudir os seus chapéus de chuva em direcção ao Constantino... ora, ele não é de se deixar ficar, e segue o excerto que me fez rir até às lágrimas, pela sua originalidade, sarcasmo e inteligência na arte do insulto:
Simplesmente fabuloso!
Deixo aqui mais alguns exemplos:
E não só mergulhamos na nossa maravilhosa língua, como na nossa rica histórica, pois é incrível a quantidade de informação e detalhes impressos neste livro, que tanto nos ensina ao mesmo tempo que vivemos as aventuras de Constantino - o Aprendiz - como se fossem nossas! Fiquei-lhe com uma estima muito grande... os detalhes das ruas e o nome das mesmas tornam este livro quase um guia turístico para quem quiser seguir os passos de Constantino pela baixa de Lisboa, pelo Rossio, Avenida da Liberdade, Campolide, Alfama, e tantos outros locais que tão bem conheço, sendo que a rua onde Constantino fica a trabalhar e alojado, as Pedras Negras, foi onde eu estudei nos meus primeiros anos de vida, no Externato das Pedras Negras, uma coincidência que me encantou muitíssimo, ainda mais sabendo que o autor se inspirou em diários verídicos para escrever este livro, diários esquecidos no tempo, que o autor desta forma ressuscita, dando-lhes nova vida e dando-nos a conhecer a vida de Constantino e de tantas outras vidas que com ele se cruzaram nestes tempos conturbados....
Pessoalmente, nunca tinha ouvido falar da sociedade secreta Carbonária, e da importância que teve na Implantação da República Portuguesa, não nos ensinam estas coisas na escola, e a importância que eles tiveram na nossa história é incrível e é triste que sejam tão pouco conhecidos... este livro é uma bela homenagem àqueles que deram a vida para que possamos viver em democracia e liberdade... apesar de, provavelmente andam às voltas no caixão da forma como Portugal tem vindo a ser governado, mas isso é outra história...
Realista, envolvente, informativo, fascinante, com uma riqueza de pormenores e falas, sarcástico e hilariante, cheio de drama e coscuvilhice, amor e violência, amizade fraterna, adorei viver esta aventura da nossa história!
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